A memória e o papel PDF Imprimir E-mail

Fincada na Avenida João Pessoa desde 13 de junho de 1953, a Casa do Português já foi uma dentre várias chácaras dispostas ao longo da antiga Estrada de Parangaba. Morar naquela região era sinônimo de tranqüilidade, uma espécie de meio terno entre o burburinho do Centro e o marasmo do interior.

A arquitetura exótica e imponente do prédio já foi marca de um comerciante ascendente, que, longe de Portugal, enricou vendendo lenha em Fortaleza. Ao escolher como sítio a Avenida João Pessoa, José Maria Cardoso localizou a Casa do Português dentro do principal corredor histórico da capital.

Hoje, a construção está sob as vistas da Secretaria de Cultura de Fortaleza, Secultfor. A equipe da Impressões Digitais conversou com Raimundo Marques, historiador da Secretaria e um dos responsáveis por manter de pé as recordações dos quase 60 anos daquele prédio, na memória e no papel.


Raimundo Marques
Foto: Pedro Vasconcelos

Impressões Digitais: Qual o valor histórico e simbólico que o Senhor e a Secultfor atribuem à Casa do Português?

Raimundo Marques: A nossa visão é de que o prédio faz parte do aparelho cultural de Fortaleza, tanto pela arquitetura, que não é bonita, mas é diferente, quanto pelo fato da Casa do Português já ser uma referência para a cidade. Quem vai pra aquele local ali, pra aquelas bandas lá da Parangaba diz: “fica perto da Casa do Português”. Todo mundo conhece.

ID: A Casa foi construída no final dos anos de 1940, começo dos anos de 1950. O que era Fortaleza naquela época?

RM: Aquela região ali da Parangaba, da João Pessoa, ali tudo eram chácaras das pessoas que tinham dinheiro e queriam levar uma vida campestre sem renunciar as delícias da cidade. Tem a Casa do Português, tem o antigo Ideal Clube...

ID: Fortaleza já era uma cidade cosmopolita ali na região do Centro. Aquela área da Casa do Português era uma espécie de meio-termo em relação à movimentação?

RM: É... ali era uma ligação com a Parangaba, que até hoje é uma zona meio rural, meio urbana. Tem a igreja, tem a praça, tem muita quadra que é só vegetação.

ID: Em relação ao José Maria Cardoso (responsável por construir a Casa do Português), o que vocês sabem sobre ele?

RM: Ele enricou vendendo lenha. Naquela época as locomotivas eram movidas a vapor e pra fazer vapor consumiam lenha. A Light, que funcionava aqui no Passeio Público, também era a vapor à lenha. Ele (José Maria Cardoso) foi uma das primeiras pessoas a fazer plantação de cajueiros, não pra pegar a amêndoa do caju não, mas pra extrair a lenha.

ID: E o que representava a arquitetura da Casa pra época?

RM: Era diferente, muito diferente. Eu me lembro menino ainda, lá em Iguatu, que o pessoal falava que em Fortaleza tinha uma casa em que subia carro (alusão às rampas laterais). Na época, o automóvel não existia com a abundância que tem hoje. Era um item de luxo. As pessoas tinham o automóvel e o chofer.


“Eu me lembro menino ainda, lá em Iguatu, que o pessoal falava que em Fortaleza tinha uma casa em que subia carro.".

ID: Falando em carro, o que era a Avenida João Pessoa na época da construção da Casa do Português?

RM: Primeiro foi a Estrada de Parangaba. Parangaba, antes mesmo dos anos 1950, era outro município, assim como Messejana. Essa estrada ligava, então, Fortaleza à Parangaba. A ligação do interior com Fortaleza também se fazia pela Parangaba. A BR 116 não era o que é hoje.  O nome da Avenida inicialmente era Washington Luís. Aí quando veio a Revolução de 1930 (movimento armado, liderado pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, que depôs o então Presidente da República Washington Luís e pôs fim à República Velha) o pessoal, quando a Revolução chegou aqui no Ceará, arrancou as placas de Washington Luís e colocou as de João Pessoa. Depois mudaram para Avenida Capistrano de Abreu, mas o povo nunca se acostumou. Voltou, então, a ser João Pessoa.



Foto: Pedro Vasconcelos

ID: Em relação ao futuro da Casa do Português...

RM: Olhe, não adianta você tombar e deixar do jeito que está. Se for pra tombar e deixar como está, o tempo mesmo se encarrega de tombar. Na instrução do processo a gente sugere que a Casa tenha uso. Até surgiu, faz tempo, uma proposta de a Casa do Português ser o Memorial da Língua Portuguesa. Como ela é um bem privado, ninguém pode obrigar os donos a fazer nada. O que pode haver é uma negociação.

“Se for pra tombar e deixar como está, o tempo mesmo se encarrega de tombar.”.

ID: E como o Senhor avalia o estado de conservação do prédio?

RM: Tem um pavimento que tá bem conservado, o lá de baixo. Lá em cima, se houver um restauro, muita coisa vai ser retirada porque não faz parte da construção original não. Muita coisa foi colocada quando o prédio foi alugado para o governo. Você tem que ver também que a Casa do Português se localiza no corredor cultural de Fortaleza, que começa aqui na Praça da Estação, com a Estação João Felipe, e vai até o Centro Histórico da Parangaba. Aí tem a Praça José de Alencar, o Theatro José de Alencar, o Palacete Carvalho Mota, a casa do Barão de Camocim, na Avenida da Universidade. Têm as Caixas D’água, o Teatro Universitário, o Conservatório Alberto Nepomuceno, o prédio da atual FEAAC (Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade da Universidade Federal do Ceará), onde funcionava o antigo Grupo Rodolfo Teófilo, a Casa de Cultura Alemã, a casa onde funciona a Rádio Universitária, a Igreja dos Remédios, a Casa do Português e o Imparh (Instituto Municipal de Pesquisas, Administração e Recursos Humanos), antiga casa de Manoel Sátiro.

 


Pedro Vasconcelos
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