A visita que não foi ou o mistério da Casa do Português PDF Imprimir E-mail
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“Pode entrar, não! Só com a autorização dos donos”, diz ele do alto de seu 1,70 m com aqueles olhões azuis de gente aperreada. E quem são os donos, Seuzéivan? “Vish! Posso dizer nome não, são os herdeiros, os Cardoso”, desconversa.

E porque não deixam entrar? Alguém aí sabe? Seuzéivan diz que é porque entrou gente e tirou foto de dentro das casas. “Isso é invasão de privacidade, rolava até processo”, brada.

Dona Terezinha, a primeira que timidamente nos atende no beicinho do portão de ferro muito enferrujado com desenhos de Art Nouveau, conta uma história cabeluda de um casal que pediu para entrar com o objetivo de fazer uma reportagem. “Quando deram conta eles tavam fazendo um filme pornô lá em cima”. Vê se pode, dona Terezinha, uma coisa dessas?!?

Daí não pode entrar no casarão, nem ver a vista lá de cima, nem desenhar com o dedo os três arcos de cada andar, nem subir as rampas imensas, nem olhar os quatro cômodos que cada uma das 10 (ou seriam 11? também pode ser 12) famílias dividem.

Não pode nem perguntar na cozinha de alguém, sentindo o cheirinho de café: “Dona Maria, me diga, é bom morar aqui?” e escutar a resposta “Têm vezes que é”. Não pode! Os olhos azuis foram claros. Fazer o quê? Só nos resta conversar na beirada do portão com quem entra e sai e tirar foto lá de longe porque Seuzéivan pode aparecer e duvido que ele fosse gostar.

Duvido que ele fosse gostar também que nós imaginássemos o que se passa lá por dentro. Que a gente soubesse que a meninada se junta de quatro, cinco na entrada para jogar carimba e que, quando tem mais gente, sobe todo mundo para o segundo andar que tem um salão e dá para jogar futebol. Que a gente soubesse que quando dá seis horas da manhã a zoada da João Pessoa começa, para só parar já bem tarde, mas quem mora nos cômodos de trás não dá nem conta da balburdia. Que quando é sete horas os homens saem para trabalhar, enquanto as mulheres cuidam da filharada, porque prole com menos de cincos filhos ali é artigo raro.

Imagina se Seuzéivan sonha que a gente conversou com Seu Luiz e ele falou que o bom é que não tem aluguel no fim do mês e acha que ninguém ali paga IPTU e que a conta de luz não tem mês que seja menos de R$ 100.

Ave Maria! Seria um Deus nos acuda se Seuzéivan tivesse noção que a gente previu o beijo que daqui uns dias o menino Luís vai dar em Samantha. Porque mesmo sem estar dentro do casarão, deu pra ver o rosto do menino avermelhar e o sorriso se abrir num misto de timidez e orgulho quando perguntamos para Samantha. “É teu namorado?”.

Luís de shorts laranja, pipa laranja, olho laranja, é menino franzino, tem catorze anos, mas não aparenta mais que onze. Enquanto desenrola a pipa que vai soltar lá do quarto andar onde não tem fio que impeça a brincadeira do vento, Luis observa a conversa com Samantha.

 

Casa do Português
Foto: Bruno Bacs

Olhares laranjas em pôr do sol alaranjado

A menina-morena tem doze anos de nascença e de casarão, nem sabe como é a vida longe dali. Faz a sétima série, gosta de inglês, detesta matemática e ainda não sabe o que vai ser quando crescer. Logo se vê que futuro ali é pergunta difícil, porque, enquanto Bilu, o vira-lata caramelo de rabo inquieto, espreita o movimento no portão, a menina-morena nos olha bem fundo e só nos responde o silêncio.

 

 

Domitila Andrade
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